A carne foi o destaque de alta da inflação brasileira em 2019, especialmente nos últimos meses do ano em meio ao aumento das exportações para a China e à desvalorização do real. O preço subiu 32,4% no ano, representando o maior impacto individual na inflação anual, representando um impacto de 0,86 pontos percentuais (p.p.) no indicador geral. Para 2020, a proteína animal não deve pesar tanto no bolso do consumidor, mas também não terá os valores praticados há um ano, de acordo com especialistas.
Isso porque:
- Os preços ficaram estagnados desde o início da crise econômica, em 2015, e os valores precisavam passar por reajuste;
- Para o Ministério da Agricultura, a euforia da demanda chinesa também passou, e agora os preços devem encontrar um ponto de equilíbrio;
- Acabou a “entressafra do boi” e a oferta de animais prontos para o abate aumentou, o que tende a diminuir os valores negociados no mercado;
- Quando a carne bovina cai, outras proteínas, como frango e porco tendem a desvalorizar;
- Porém, a abertura de novos mercados não pode ser descartada, o que traria um fato novo para a atual dinâmica de preços.
O analista de mercado Leandro Bovo explica que o mercado da carne bovina, a principal consumida no país, passou 4 anos sem alta de preços ao mesmo tempo que os custos de produção não paravam de subir.
“Alguma correção de preços era esperada. Em termos de inflação, o impacto maior já aconteceu, e, a partir de agora, não será mais tão relevante”, afirma Bovo.
“Porém, o desconforto com o aumento dos preços, mesmo que menor, ainda estará presente”, completa o sócio-diretor da Radar Investimentos.
No campo, o valor de uma arroba de boi (15 kg) caiu cerca de 15% desde a explosão de preços, no final de novembro. Na cidade, a média de preços no varejo, calculada pela Scot Consultoria, baixou menos, 0,7%.
“Eu não acredito que as carnes serão as vilãs da inflação em 2020. O que tinha que vir, já foi”, diz o consultor Alcides Torres.
“Agora, acreditamos que haverá uma melhora da economia e a variação de preços será absorvida durante o ano. Diferente de 2019, quando todo o impacto veio em 45 dias”, completa o analista da Scot.
Isso porque acabou em dezembro a “entressafra da carne bovina” e a oferta de animais deverá estar a todo o vapor até julho. Agora, o mercado busca equilíbrio.
Para Bovo, os contratos futuros da carne sinalizam para um meio-termo entre os valores praticados antes e depois de novembro.
“O mercado já achou um teto, que é o primeiro passo para encontrar o equilíbrio. Uma boa referência são os preços negociados no mercado futuro, que estão 19% acima do que vinha sendo negociado antes do movimento de alta”, explicou especialista.
“Então, o equilíbrio (de preço) da carne bovina seria uma alta ao redor de 20% do que o consumidor estava habituado a pagar (antes da crise), e não os 45% de alta que chegamos a ter em novembro”, completa Bovo.
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse que a abertura de novos mercados e as habilitações de novos frigoríficos para vender para a China criaram uma euforia no setor, mas que ela já passou.
“No início houve uma euforia, mas o mercado chinês já se acomodou e o mercado brasileiro vem se acomodando”, disse Tereza, durante evento em Patos de Minas na última quinta-feira (9).
“É muito difícil ela (carne) voltar aos patamares antigos para o produtor. O consumidor vai ter esse pequeno aumento”, acrescentou a ministra.
Alta era esperada pelo setor
O setor produtivo argumenta que uma alta era inevitável em 2019, mas que a China, que passa por uma crise de peste suína africana que matou milhões de animais e reduziu a oferta da carne mais consumida no país, fez os valores dispararem.
Para aumentar as compras, os chineses habilitaram diversos frigoríficos brasileiros no ano passado. Atualmente 102 indústrias brasileiras estão autorizadas a vender para China:16 de carne suína, e 48 de carne de frango, 37 de carne bovina e 1 de carne de asinino (jumento).
“Esse ‘soluço’ (de preços) de outubro, novembro e dezembro proporcionou esse desajuste. A expectativa é que haja uma acomodação de demanda e volumes”, disse em dezembro o presidente da associação dos frigoríficos exportadores de carne bovina (Abiec), Antônio Camardelli.
“A expectativa é que ainda haja uma ‘zona cinzenta’ até o ano novo chinês (25 de janeiro), depois os preços devem se estabilizar”, completou.
Consideradas como “rota de fuga” quando o preço do boi dispara, as carnes de frango e porco continuaram a subir no fim de 2019 enquanto a bovina caía.
A analista do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da USP (Cepea) Juliana Ferraz explica que os valores continuaram firmes por causa de toda a valorização do boi no ano passado. Além disso, houve fatores específicos.
No caso dos suínos, a carne de porco é tradicionalmente mais consumida nas festas de fim de ano, o que manteve o ritmo de alta nos últimos dias do ano passado. Em janeiro, os valores estão estáveis.
Já, no caso do frango, o preço mais alto de porco e boi ajudou na alta. Além, disso os valores do milho e da soja, principais insumos da ração, subiram, deixando o custo de produção do criador maior.
“Tem um agravante que é a grande dependência dos preços do milho, que também está em alta. Apesar da safra enorme que tivemos em 2019, as exportações do cereal também foram recorde, gerando alta de preços no mercado interno o que agravou a alta do frango e suíno” explica o analista Leandro Bovo.
“O frango até teve uma valorização, mas inferior à dos insumos”, disse Juliana.
Segundo associação que representa os frigoríficos do setor (ABPA), além das exportações e da disparada da carne bovina, outros fatores influenciam os preços do frango e do porco:
- Dólar alto;
- Falta de oferta de animais no mundo e exportação aceleada;
- Milho utilizado na ração dos animais ficar mais caro.
A ABPA acredita que dois deles deverão continuar neste começo de 2020: o alto custo de produção, especialmente do milho, e a demanda chinesa.
Porém, neste início de ano, essas duas carnes não deverão influenciar na inflação, de acordo com a analista do Cepea.
“Todo mês de janeiro há uma queda no consumo de proteína e de preços, muito em função das despesas do período e das férias escolares”, afirmou.
“Vale ressaltar que os preços das principais carnes consumidas no Brasil ainda estão em patamares elevados, também é válido lembrar que, quem ditará o ritmo do mercado interno nas próximas semanas, será o comportamento das exportações”, completou Juliana.
O Brasil bateu recorde na produção e consumo de ovos em 2019, foram 230 unidades por brasileiro, o que dá 49 bilhões de ovos, segundo a ABPA.
Juliana Ferraz, do Cepea, explica que o brasileiro não costuma considerar o ovo como substituto das carnes, somente em grandes crises. Porém, o aquecimento de todo o mercado de carnes favoreceu o produto.
“Os elevados patamares de preços das principais carnes consumidas pelo brasileiro favoreceram as altas nas cotações dos ovos, especialmente em dezembro. A alta mensal verificada para o ovo branco, inclusive, superou a registrada durante a Quaresma, período de maior valorização do produto”, disse.
Na parcial de janeiro (até o dia 9), o preço do ovo branco, tipo extra, negociado na Grande São Paulo registrou queda de 13% frente a dezembro. Na comparação anual, o valor está 32% acima da média registrada há um ano, quado estava em R$ 62.
Juliana explica que, para 2020, o cenário de preços do ovo ainda é incerto. Com a pausa de fim de ano, muitos fornecedores estão dando desconto no produto por causa da validade do alimento. Ao mesmo tempo, criadores oferecem ovos novos a preços mais altos.
“O mercado está meio bagunçado, bem difícil saber para onde vai caminhar os preços”, resumiu a analista.
A avaliação de especialistas, setor e governo leva em conta o cenário atual de oferta e demanda, mas existe um fator que pode mexer novamente com o mercado de carnes: a Índia.
No fim do mês, o presidente Jair Bolsonaro e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, vão ao país querendo abrir o mercado para as proteínas brasileiras.
Vale lembrar que a Índia tem uma população acima de um bilhão pessoas, que está aumentando seu poder aquisitivo e, consequentemente, a demanda por carnes.
“Nós agora estamos indo para a Índia, que é um grande mercado que o Brasil quer acessar e isso faz parte da dinâmica do nosso mercado da nossa produção”, disse a ministra.
Fonte: G1 Agro