Associada a altas produtividades no campo, a tecnologia ganhou uma roupagem democrática para chegar mais facilmente à agricultura familiar. Máquinas, equipamentos e insumos se adaptaram ao bolso dos pequenos produtores em um movimento do mercado atento a esse público. E a estratégia é mais do que justificada em um ambiente onde inovações que trazem maior rendimento e qualidade de vida tornaram-se determinantes para a sucessão rural.
Em cima de um trator com cabine, ar-condicionado e tecnologia avançada, comprado na Expoagro Afubra, em Rio Pardo, o produtor Felício José Walter, 62 anos, e os filhos Márcio José, 32, e Luiz Carlos, 29, planejam os ganhos que terão com o novo equipamento na propriedade de 15 hectares em Passo do Sobrado, no Vale do Rio Pardo. Os investimentos feitos na propriedade nos últimos anos, incluindo fornos de fumo automatizados, animaram o filho mais velho a voltar para o campo:
– Trabalhava com terraplenagem na cidade. Mas hoje estou enxergando mais possibilidades no meio rural – conta Márcio José.
O trator comprado na feira é o primeiro da propriedade com cabine e com a mesma tecnologia de modelos mais potentes. Além de maior conforto, o veículo irá proteger a família na aplicação de produtos químicos nas lavouras de fumo e milho. A aquisição foi financiada em 10 anos dentro do programa Mais Alimentos, voltado à agricultura familiar.
Para aproveitar melhor a linha de crédito criada em 2008 pelo governo federal e ampliada em 2015, fabricantes de máquinas desenvolveram produtos específicos para se encaixarem no financiamento. É o caso de uma colheitadeira da John Deere, lançada no ano passado, e outra da Massey Ferguson, colocada no mercado em março.
– A máquina traz a mesma tecnologia de modelos mais caros e potentes da marca, mas em um tamanho e preço apropriados à agricultura familiar _ destaca Tiago Dickel, especialista de produto de marketing tático da John Deere no Brasil.Da mesma forma, a colheitadeira da Massey Ferguson foi concebida para se encaixar nas necessidades do pequeno agricultor e atender ao sonho dos sucessores.
– A tecnologia faz com que o filho do produtor se prenda ao campo. Na maioria das vezes são eles que convencem o pai a investir – destaca Guilherme Leite, coordenador comercial da Massey Ferguson no Estado.
Com criação de gado leiteiro e lavoura de soja em Vale Verde, no Vale do Rio Pardo, o produtor Rogério Canônica, 50 anos, e o filho Cleiton Diego Canônica, 28 anos, fecharam a compra da colheitadeira da marca pelo Mais Alimentos, com juro de até 5,5% ao ano.
– Não dá para ficar atrás na tecnologia, temos de acompanhar a evolução _ disse Cleiton.O acesso ao crédito tem reduzido a distância entre a tecnologia aplicada pelos pequenos e grandes agricultores. Esse movimento está resultando em melhoria de renda e qualidade de vida no campo, destaca Rogério Mazzardo, gerente-adjunto da área técnica estadual da Emater.
– O avanço tecnológico reduziu o desgaste físico dos agricultores familiares e, consequentemente, tornou a atividade mais atrativa para os filhos _ assinala Mazzardo.
Desejo do filho de modernizar
Há pouco menos de um ano, a família de Ivanei de Souza instalou um sistema de ordenhadeira canalizada para o manejo do rebanho de 20 animais no município de Segredo, no Vale do Rio Pardo. Desde então, o tempo das ordenhas diárias foi reduzido de uma hora e meia para 35 minutos cada. Além da agilidade, a limpeza dos equipamentos foi facilitada. Durante a Expoagro Afubra, o filho Ressan de Souza, 25 anos, tentava convencer o pai a instalar agora um painel de medição eletrônica no sistema.
– Com o equipamento vamos conseguir medir a produtividade de cada animal e também a temperatura do leite – detalhava Ressan, empolgado.
A máquina, desenvolvida pela gaúcha Ordemax, controla também o tempo de ordenha e estimula o animal em caso de demora no processo. A família resolveu não fechar o negócio na feira, mas se depender do desejo do filho, não vai demorar para o equipamento ser instalado na propriedade.
–Foi ele (o filho) que quis modernizar tudo _ conta a mãe Vera Eliane Cândido de Souza, 51 anos, professora aposentada.
Além da produção leiteira, a família cultiva 20 hectares de soja e quatro de tabaco A intenção da família, no futuro, é abandonar a fumicultura e aumentar o rebanho de animais com a ordenha automatizada.
– O fumo precisa de mais mão de obra. A produção de leite pode aumentar sem a necessidade de mais gente – calcula Vera Elaine.
A resposta mais rápida da tecnologia em áreas menores é outro estímulo para investimentos na agricultura familiar, destaca o secretário estadual de Desenvolvimento Rural, Tarcísio Minetto:
– O único limitante ainda é a capacidade de endividamento do pequeno, evidentemente menor do que a dos grandes produtores.
Instigados a buscar novidades
Com as informações circulando cada vez mais rapidamente no meio rural, os agricultores familiares são instigados a buscar novidades que aumentem a geração de renda e reduzam a penosidade do trabalho diário. E a ajuda não vem apenas de máquinas e equipamentos, mas também de novas cultivares e sistemas de produção.
– Os produtores estão cada vez mais especializados e abertos para as tecnologias – destaca Andréa Noronha, analista de transferência de tecnologia da Embrapa Clima Temperado.
Produtora em Candelária, no Vale do Rio Pardo, a família Rehbein Quoos foi até a Expoagro Afubra em busca de sementes com alto potencial produtivo e para conhecer sistemas de produção fotovoltaica:
– Gastamos R$ 3,5 mil de luz por ano, em média. Com esse dinheiro, pagamos o financiamento dos equipamentos e daqui um tempo a energia virá sem custo nenhum _ calcula Gilberto Boeck Quoos, 48 anos.
Ao lado da mulher Maria Cristina Rehbein Quoos, e do filho Ruguer Alexandre, 21 anos, o produtor familiar cultiva quatro hectares de fumo e milho, além de criar gado, ovinos e suínos.
– Nosso milho vai todo para a criação dos animais. Por isso precisamos de sementes bem produtivas, mesmo que custem mais caro – completa Gilberto Quoos.
Além do uso da tecnologia, o professor Clayton Hillig, do Centro de Ciências Rurais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) chama a atenção para os saberes valiosos da agricultura familiar, demonstrados em produtos da agroindústria, por exemplo.
– A tecnologia precisa ser encarada de uma maneira ampla, associada obviamente à sucessão nas propriedades – completa o professor.
Para se enquadrar no Pronaf
– Para acessar o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), a renda bruta anual da propriedade deve ser de no máximo R$ 360 mil.
– A área da produção deve ser de até quatro módulos fiscais (em média 80 hectares, podendo variar conforme regiões e municípios).
– Mão de obra e gerenciamento da própria família.
– Renda familiar vinculada ao estabelecimento.
– A taxa de juro para compra de máquinas e equipamentos pela agricultura familiar no programa Mais Alimentos é de 5,5% ao ano.