Integração entre lavouras, pecuária e florestas viabiliza produtividade com preservação ambiental.
O Brasil tem potencial para alimentar o mundo, mas, antes, precisa aprender a cuidar de seus recursos naturais. Com uma safra de 224 milhões de toneladas prevista para 2017, o país cultiva grandes áreas com monocultura, e florestas ainda perdem espaço para a agricultura. Mesmo em um modelo comercial, alguns produtores dão exemplo de que é possível ter preocupação ambiental e produzir em larga escala. A chave está em mudar de atitude, o que exige dedicação, mas garante, na linha de chegada, um prêmio maior: lucro e consciência tranquila. Quem se dedica a unir expansão econômica e conservação ambiental garante: o mercado é quem dará as cartas.
— A demanda por produtos sustentáveis é cada vez maior. O mercado europeu já é muito exigente e o Brasil está na berlinda — avalia a engenheira florestal Giovana Baggio, da ONG The Nature Conservancy.
Seguir o rumo do desenvolvimento passa por olhar para os lados. Foi o que fez a família Klafke, de Capivari do Sul. Na Cabanha Sanga Funda, há de tudo um pouco: soja, arroz, gado, florestas e espécies nativas. O equilíbrio garante que emas, ratões e capivaras convivam com as lavouras. A preservação da fauna, visível nas revoadas de pássaros, é princípio básico do manejo, o que exigiu gestão rigorosa de defensivos.
O trabalho começou há uma década, quando Demeval Klafke, hoje com 76 anos, e seu filho José Fernando Klafke, 50 anos, perceberam os impactos da monocultura do arroz. Com a redução na rentabilidade, a área foi dividida com a soja, respeitando a rotação de culturas e o plantio direto, lembra o consultor da propriedade José Famer.
No arroz, a produtividade média teve aumento de 50%, chegando a 12 mil quilos por hectare. Na soja, passou de 2,4 mil quilos por hectare para 3 mil quilos.
— Combinamos sustentabilidade com rentabilidade, diminuímos custos e preservamos o ambiente — relata José Fernando.
Com o aperfeiçoamento do manejo, os Klafke também perceberam a redução do uso de herbicidas e fungicidas. Na pecuária, dobraram a lotação de gado por hectare e reduziram a idade de abate.
— A resposta de tudo está em nós. O grande lance é a atitude — avalia o produtor.
Mais ordem no campo. Para dar uma mãozinha nos projetos sustentáveis, o Ministério do Meio Ambiente vem delegando aos estados o compromisso de por em prática o chamado zoneamento ecológico-econômico, que harmoniza relações econômicas, sociais e ambientais. No Estado, a Federação da Agricultura do Rio Grande do RS acompanha o trabalho, que deve ser concluído até o final do ano, diz o assessor da federação, Ivo Lessa.
O Brasil tem aumentado a quantidade de químicos aplicados nas lavouras. Segundo o IBGE, o consumo de ingredientes ativos de agrotóxicos por área plantada saltou de 3,2 quilos por hectare, em 2000, para 6,7 quilos por hectare em 2014. O levantamento é de 2016 e considera os dados mais recentes disponíveis.
— O maior problema é o uso de doses erradas, acima do recomendado — reconhece Maurício Fernandes, especialista em uso correto e seguro do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal.
O espírito inovador do agrônomo Roberto Salet deu vida a um projeto ousado e lucrativo. Decidido a produzir a rainha das culturas sem agrotóxicos e em escala comercial, ele fez o que muitos julgavam impossível. Nesta safra, irá colher cem hectares de soja orgânica em São Borja, o que deve render 55 sacas por hectare, produtividade similar à média nacional. O diferencial é o preço: 60% maior do que o do grão convencional. Um resultado expressivo, apesar da produção orgânica ainda ser realizada em escala insuficiente para alimentar o mundo.
Para viabilizar o cultivo sem agrotóxicos, a produção de Salet é itinerante. No ano que vem, a lavoura de soja muda-se para Coronel Bicaco, onde, em 2017, ele está colhendo milho para pipoca, chia e erva-mate.
— Todo produtor orgânico é um idealista. E o que mais me motiva é a inovação — diz o mestre em Ciências do Solo.
Mas Salet não está só. Os bons resultados seduziram os vizinhos que, nesta safra, deram início a áreas experimentais de soja orgânica usando silício no controle de pragas. O agrônomo acredita que é possível fazer agricultura comercial sem agrotóxicos desde que exista diversidade na lavoura.
Consciente disso, mostra com orgulho as tesourinhas que povoam seu milharal. O inseto é responsável por eliminar duas pragas: a lagarta do cartucho e a da espiga. Salet realiza avaliação periódica da plantação e, quando o dano econômico atinge 30% das plantas, aplica produtos à base de bactérias que fazem o controle biológico de pragas.
Ideologia que deu certo. A transição da agricultura convencional para a orgânica ocorreu há três décadas. Para tentar tornar a propriedade de 12,5 hectares administrada pelo pai mais rentável, Salet deu asas a um projeto que muitos classificaram como “loucura”, mas que elevou a área cultivada para os atuais 400 hectares.Além do cultivo sustentável, todos os resíduos das lavouras são aproveitados na produção ou transformados em renda. As cascas dos grãos são destinadas à fabricação de ração e o palito da erva-mate vira um chá exportado para os Estados Unidos. Até a cola que fecha a embalagem é ecológica: uma mistura de polvilho e água.
Morangos para mudar de vida. Eram horas resolvendo problema com redes e servidores de computador todos os dias. A rotina do consultor em tecnologia da informação Rafael Mossmann Ruidias, morador de Novo Hamburgo, estava longe do que lhe parecia uma vida saudável. Até que a “carga pesada” do dia a dia na cidade lhe fez observar o sítio da família, em Portão, com novos olhos. Fazer com que a propriedade de 12 hectares virasse fonte de renda tornou-se desafio para toda a família. Ao lado da esposa, a advogada ambiental Juliane Altmann Berwig, e dos pais Cirila Mossmann Ruidias e Nelso Ruidias, ele resolveu dar vida à Fazenda Plátano, uma propriedade onde tudo o que se produz é orgânico e há pelo menos 104 espécies de plantas produtivas. O carro-chefe são os morangos, mas também são cultivados tempero-verde, alho e outros tipos de hortaliças que ajudam a atrair joaninhas e espantar as pragas.
— O segredo dos orgânicos é o equilíbrio e a chave disso é a diversificação — pontua Rafael.
A sustentabilidade é o princípio que norteia todas as etapas da produção. A adubação é feita por meio de composto à base de casca de arroz e pó de osso, rejeitos doados por engenhos e açougues da região. Outro resíduo aproveitado é a borra do café, obtida por meio de parceria com padarias e que ajuda no fortalecimento das plantas. O recolhimento de água da chuva, distribuída por meio de uma central que faz a irrigação, completa o ciclo sustentável. Com 23 estufas em um hectare de área coberta, a produção já responde por 80% da renda da família. Com o crescimento do negócio, os Ruidias já fazem planos para investir na produção de cogumelos e geleia.