O serviço sanitário da China recusou a proposta feita pelo Ministério da Agricultura do Brasil para autorizar mais frigoríficos do país a exportar carnes ao país asiático, conforme três fontes consultadas pelo Valor.
A China lidera as importações de carnes do Brasil. No ano passado, gastou US$ 2,5 bilhões com as compras dos produtos brasileiros e, com isso, representou 17% da receita total de US$ 14,7 bilhões das exportações de carnes, de acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) compilados pelo Ministério da Agricultura.
A decisão da China frustra grandes frigoríficos como JBS, Marfrig e Minerva, que demonstravam otimismo com o resultado da visita feita por técnicos sanitários do país asiático em novembro do ano passado. Na ocasião, os chineses visitaram dez abatedouros de aves e bovinos.
No segmento, havia esperança de que as habilitações fossem até mais numerosas do que o total de plantas visitadas. Pequim chegou a sinalizar que as visitas serviriam como amostragem para as autoridades sanitárias do país apreciarem uma lista de mais de 70 abatedouros que estavam em processo mais avançado para a habilitação.
Neste momento, o relatório da visita sanitária da China está sendo traduzido no Brasil, mas fontes a par da resposta chinesa dizem que Pequim exigirá um novo plano de ação para os frigoríficos exportadores. Só depois disso o processo de habilitação de novas unidades será retomado. Com isso, as novas habilitações devem demorar mais.
Nesse processo, os frigoríficos brasileiros perdem oportunidades de ocupar — ainda mais — o espaço aberto pelo surto de peste suína africana na China. Na semana passada, o presidente da Minerva Foods, Fernado Galletti de Queiroz, afirmou que os abatedouros atualmente habilitados estão no limite da capacidade. Hoje, 16 abatedouros de bovinos, 33 de frango e nove de suínos estão autorizados a vender carnes à China.
Além dos impactos comerciais, a decisão do país asiático levantou preocupações do ponto de vista diplomático. Uma fonte do setor privado ouvida pela reportagem teme que a postura de Pequim seja uma resposta do país às declarações hostis feitas por representantes do governo brasileiro — inclusive o presidente Jair Bolsonaro, que criticou a China durante a campanha eleitoral.
Na semana passada, o chanceler Ernesto Araújo provocou irritação em representantes do agronegócio ao dizer, em cerimônia no Instituto Rio Branco, que o Brasil não vai “vender a alma” para exportar soja e minério de ferro, produtos que têm a China como maior país comprador. A bancada ruralista enviou uma carta criticando as declarações.
Em meio à preocupação com a relações entre Brasil e China, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse no domingo, em evento em Washington, que pretende visitar o país asiático no início de maio para ampliar o número de frigoríficos autorizados.
No médio prazo, porém, representantes do setor privado seguem otimistas com as exportações para a China mesmo com as tensões diplomáticas. “Eles vão precisar de carne no segundo semestre”, afirmou uma fonte, citando a drástica redução do plantel de suínos. A China já sacrificou quase 1 milhão de animais em razão da peste suína.
Uma das fontes ponderou, ainda, que as declarações feitas na última segunda-feira pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em Washington, podem amenizar a situação com os chineses. “Eu digo ao presidente: amamos os americanos, mas me deixe fazer comércio com quem for mais vantajoso”, afirmou o ministro a investidores.